Atualmente, o estado do Rio Grande do Sul é o maior produtor do país, com 52,3% da produção, ficando Santa Catarina com 46,3% e o Paraná com 1,4%. Em termos de faturamento, porém, o carvão catarinense, com um poder calorífico superior, garante a Santa Catarina uma participação maior.[1] A maior jazida de carvão mineral do país é a de Candiota (RS) que corresponde cerca de 23% das reservas oficiais do país (que chegam a 8,5 bilhões de toneladas) e também é a melhor em rentabilidade, uma vez que suas reservas apresentam-se em camadas bastante espessas e de grande continuidade. Em seguida estão as jazidas do Baixo Jacuí, a oeste de Porto Alegre: Capané, São Sepé, Iruí, Leão, Sul do Leão, Pântano Grande, Água Boa, Faxinal, Arroio dos Ratos e Charqueadas[2].
Desde 1827 já se tem notícias de reservas de carvão em Santa Catarina , que foram exploradas por uma companhia inglesa no município de Lauro Müller, porém o carvão foi considerado de má qualidade, e a companhia inglesa logo se desinteressou e voltou-se para o Rio Grande do Sul.
No Rio Grande do Sul podemos perceber, no que diz respeito à concentração de carvão energético em seu solo, uma faixa que atravessa o estado (ver mapa I).
Devido ao seu potencial, não demorou muito para que a região de São Jerônimo se tornasse alvo de interesses: já em 1853 o capital privado, aliado ao capital estatal (por intermédio do então presidente da província, Conselheiro Luiz Vieira Cansação de Sinimbu), iniciava suas pesquisas. James Johnson e mais doze mineiros de origem inglesa foram os primeiros a se aventurarem, mas só em 1866 o governo Imperial concedeu permissão ao inglês para extração comercial do carvão em uma mina localizada na região da atual cidade de Arroio dos Ratos[3] (Simch, 1961). Apesar de parecer incoerente por parte dos ingleses realizarem esta exploração já que representava uma concorrência à extração carbonífera daquele país, Pesavento (1982) destaca que a eles interessava aos ingleses a extração de carvão, pois
[...] Embora a descoberta das minas, se efetivada, redundasse na diminuição da importação do carvão britânico, a Inglaterra seria também beneficiada com isso, pois as empresas e companhias inglesas que aqui operassem poderiam utilizar-se de combustível local, além de realizar a sua exportação para a própria Grã-Bretanha, caso as jazidas fossem consideráveis. (Pesavento, 1982, p. 282)
A exploração do minério só irá se estabelecer no município de São Jerônimo a partir de 1883 com a criação da Companhia de Minas de Carvão de Pedra de Arroio dos Ratos – CMCPAR, de capital nacional, proveniente do Rio de Janeiro e de São Paulo (Silva, 2007).
Mesmo estando, aparentemente, em situação desvantajosa, foi a partir da República Velha, com a crescente demanda, uma série de investimentos e o incentivo ao povoamento da região por imigrantes europeus – que a exploração de carvão foi intensificada. Neste período, o mundo passava pela Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918). Tal acontecimento impulsionou a extração, que teve seus índices aumentados em decorrência da ausência de carvão estrangeiro, combustível energético necessário para a manutenção dos países em guerra. Assim , ficou a cargo do carvão nacional a responsabilidade de suprir as necessidades do mercado interno, em empresas como a “Viação Férrea do Estado”, “Empresa Carris Porto Alegrense”, “Companhia Fôrça e Luz”, entre outras, bem como fornecer minério aos mercados da região do Prata (Silva, 2007).
Em 1920, o uso do carvão em locomotivas da Viação Férrea, no momento de responsabilidade do Governo do Estado, acelerou a produção carbonífera no pós guerra, a qual também alimentava a navegação e a usina elétrica de Porto Alegre (Gasômetro) e de outras localidades.
Não era uma prática inovadora: “na França do século XIX, as exigências de produção também fizeram necessário um enquadramento rigoroso e uma severa disciplina de trabalho, obtidos pela adoção do sistema fábrica-vila”. (Trempe apud Esperança, 2008, p.4.). Isto é, para aumentar a produtividade na exploração das minas, adotou-se o sistema fábrica-vila, no qual os trabalhadores são alojados em vilas operárias isoladas e onde tudo, desde a escola das crianças até a assistência médica da família, passando pelo comércio e o aluguel das moradias, é controlado pela companhia.
No período do entre-guerras, o mundo passa por uma grande crise deflagrada pela “Quebra da Bolsa de Nova York” em 1929, colocando os EUA em profunda depressão econômica durante toda a década de 1930, o que teve grande repercussão no Brasil. Essa crise mundial do capitalismo internacional, combinada com fatores internos, conduziu à queda da República oligárquica, levada a cabo pela Revolução de 1930. Isso deu início a um processo acelerado de modernização da sociedade brasileira. O Estado tornou-se mais complexo, multiplicou as suas instituições e os seus funcionários e deu início a uma política industrial sistemática para o país.
Em Butiá, o Grupo Capitalista Martineli, em 1932, adquiriu todas as minas existentes na região, entre elas a CCR (Companhia Carbonífera Rio-Grandense, criada em 1917),sob a direção de Roberto Cardoso.
No início de 1936, a diretoria da “Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo” promoveu a sua reestruturação, buscando a fusão com outra empresa do ramo, a "Companhia Carbonífera Rio-Grandense”, com a qual firmou um consórcio de empresas sob o nome "Consórcio Administrador de Empresas de Mineração - CADEM". O consórcio era composto por quatro sócios: Paes Leme e Otávio Reis, por intermédio da "Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo”, e Roberto Cardoso e o Grupo Martineli, por intermédio da "Companhia Carbonífera Rio-Grandense”, mas a direção coube ao Dr. Roberto Cardoso trazendo ao consórcio a sua forma de administração.
No mesmo ano, em outubro de 1936, ocorreu em Arroio dos Ratos uma grande enchente que, entre muitos estragos, inundou completamente as galerias das minas, provocando a paralisação das atividades de mineração.
Por outro lado houve modificações nas condições de vida dos habitantes de Butiá neste período, em especial, nas áreas da saúde, educação, lazer e vida religiosa; contudo, isso significava também que praticamente tudo dependia ou passava pelo aval do CADEM. (Witkoswski e Freitas, 2006). Mas, por trás das melhorias, há outros aspectos a serem analisados. Klovan nos chama a atenção para o estudo de Cristina E. Silva, e um relatório estatístico do CADEM citado pela autora, mostrando a produção de carvão ano a ano.
O relatório traz os números do crescimento da mineração de carvão, a qual teve um aumento significativo desde 1930. Para Klovan, “dados estatísticos como esses não nos dizem muito sobre o trabalho mineiro (que pode estar implícito nesses índices das mais diversas formas)”; entretanto “podemos acreditar em um aumento da exploração do trabalho dos mineiros”. Independente das “melhorias” nas condições de vida dos mineiros, o trabalho nas minas só aumentou. Os números após a eclosão da 2ª Guerra Mundial nos mostram o grande momento da mineração gaúcha, tendo seu auge em 1943, quando o Rio Grande do Sul era o maior produtor nacional de carvão.
Apesar das minas de carvão já serem exploradas desde 1866, os mineiros da região carbonífera só se organizaram em um sindicato em 1933. O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Extração de Carvão (STIEC) foi um veículo de negociação entre os empregados mineiros e seus patrões. Segundo Witkowski e Freitas (2006), o sindicato foi produto da greve que houve de 27 de janeiro até 02 de fevereiro de 1933[6] nas minas de Butiá, ou seja, sua constituição deu-se pela necessidade de organizarem-se institucionalmente para atingirem suas demandas, sem a necessidade de greves, em um período em que o Estado inicia o processo de construção das leis trabalhistas e a vinculação dos sindicatos ao governo.
Bem se sabe que a vida de um mineiro não era nada fácil, as condições de higiene e segurança nas minas eram precárias. Segundo relatos, os mineiros estavam submetidos às seguintes condições:
1) carga horária ininterrupta de 8hs, sendo obrigados a dividir o espaço de trabalho com o “refeitório” e “vestiário”;
3) falta de segurança, com risco de morte devido aos constantes desmoronamentos.
Mesmo em condições de trabalho insalubres, sua remuneração continuava baixa, ocorrendo muitas vezes atrasos no pagamento, sendo compensados com vales alimentação em troca do salário, contudo, estes vales eram recebidos apenas no estabelecimento da empresa mineradora – “Cooperativa das Minas de Butiá” – a qual mantinha preços abusivos. Isso comprova que a vila operária (de certa forma, isolada do meio urbano), caracterizava-se pelo controle ostensivo da companhia sobre a vida mineira, um dispositivo disciplinar efetivo, visto que o trabalhador dependia para tudo (moradia, alimentação, educação e saúde) da própria companhia.
Assim, é de grande importância a fundação da STIEC para a articulação das reivindicações dos mineiros em prol de seus direitos e em defesa da segurança no trabalho, contrapondo os interesses patronais, mas principalmente, como meio para a tomada de consciência dos trabalhadores.
Bibliografia
BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. Sumário Mineral 2008, Carvão Mineral. Disponível no site
http://www.dnpm.gov.br/assets/galeriaDocumento/SumarioMineral2008/carvaomineral.pdf. Acessado em 19/08/2009
BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. Balanço Mineral Brasileiro, 2001. Carvão Mineral. Disponível no site
Acessado em 19/08/2009.
ESPERANÇA, Clarice G. Coesão e conflito: Reflexões sobre a identidade mineira entre os trabalhadores das minas de carvão do Rio Grande do Sul nos anos 40. Porto Alegre, 2008. (Documento inédito).
KLOVAN, Felipe Figueiró. Sob o fardo do ouro negro: as greves dos mineiros de carvão em 1933 - 1935 na região de São Jerônimo (RS). Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em História) – UFRGS. Porto Alegre, 2008.
PESAVENTO, Sandra J. A indústria carbonífera Rio-Grandense e a Questão energética. In: Estudos Ibero-americanos, Porto Alegre: v. VIII, n. 2, p. 281:306, dezembro de 1982.
SILVA, Cristina Ennes da. Nas profundezas da terra: um estudo sobre a região carbonífera do Rio Grande do Sul. Tese de Doutorado – PPG em História, PUCRS. Porto Alegre, 2007.
SIMCH, Carlos Alfredo. Monografia do Município de São Jerônimo. Porto Alegre, Imprensa Oficial, 1961.
WITKOWSKI, Alexsandro e FREITAS, Tassiane Melo. Sobre os homens desta terra – A trajetória de fundação do sindicato dos mineiros de Butiá no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: ed.autores, 2006.
[1] BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. Sumário Mineral 2008, Carvão Mineral.
[2] BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. Balanço Mineral Brasileiro, 2001. Carvão Mineral.
[3] Lembrando que Arroio dos Ratos neste momento, assim como outras localidades, era distrito de São Jerônimo. A configuração da região era a seguinte:
Divisão distrital de São Jerônimo:
1º distrito - Sede do município; 2º Charqueadas; 3º Arroio dos Ratos; 4º Butiá; 5ª Leão
6º Morrinhos; 7º Barão do Triunfo; 8º Quitéria.
Fonte: Silva, C. E. Nas profundezas da terra: um estudo sobre a região carbonífera do Rio Grande do Sul (1883 – 1945). Tese de Doutorado – PPG em História, PUCRS, 2007. Anexo X, p. 391
[4] Nicácio Teixeira Machado tornou-se posteriormente acionista da Companhia Hulha Rio-Grandense, criada em 1915, a qual se tornaria a Companhia Carbonífera Rio-Grandense (CCR) em 1917.
[5] Dentre as questões levantadas por Witkowski e Freitas (2006) em seu trabalho sobre a fundação do Sindicato dos Mineiros de Butiá, é o perfil políticoe ideológico de seus fundadores. Segundo os autores as idéias operárias trazidas pelos estrangeiros que vieram trabalhar nas minas, influenciaram muito nas concepções políticas do grupo, que seguia tendências socialistas e/ou anarquistas.
[6] Antes dessa data, a primeira manifestação reivindicatória desta categoria aconteceu em 1895, provavelmente, influenciados pelas idéias políticas de grupos estrangeiros, vindos da Europa para suprir as novas demandas de pessoal e tecnologia. (Bunse apud Witkowski e Freitas, 2006, p. 24)